sábado, 4 de novembro de 2017

ATENDIMENTO NA ÁREA DA SAÚDE E A LEI DO DESACATO



Para saber se uma Unidade Prestadora de Serviços do SUS, especialmente as Unidades Básicas, tem noção efetiva do principio da “humanização”, basta examinar as paredes internas (em alguns casos também as externas) e verificar se nelas estão os famigerados cartazes que advertem os usuários sobre o “desacato”, cujo texto contempla: “Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela, pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa”.

Se nas paredes forem encontrados os tais cartazes, certamente o modelo de acolhimento que predomina é ainda do antigo INAMPS, nada próximo do que preconiza o modelo SUS focado na humanização do atendimento.

Os cartazes representam emblematicamente o “foco” de organização do sistema: facilitar a vida de quem atende, ao invés de facilitar a vida de quem vai ser atendido: o usuário!

Ou seja, ao se colocar tais cartazes alguém partiu do suposto de que 99% dos usuários não tem o perfil de quem adota condutas agressivas de desacato verbal ou física. No entanto, todas as pessoas de “bem” que acessam as dependências de uma Unidade de Saúde e se defrontam com tais avisos, se “sentem” diminuídas, decepcionadas, e terminam por manifestar suas ansiedades no momento que não são respeitadas como cidadão com direitos e deveres.

O fato é que esta “visão” deturpada do que vem a ser “humanização” ainda predomina em muitos dos Municípios desse país. Evoluímos em tecnologia de diagnóstico e terapias. Saímos da invenção do Raio X em 1923 para o Tomógrafo Computadorizado nos dias de hoje, mas na área do atendimento continuamos, quem sabe por não querer sair da “zona de conforto”, mantendo o foco em quem vai atender, ao invés de manter o foco em quem vai ser atendido. Muitos de nós, profissionais de saúde, nos esquecemos de atitudes humanistas básicas, aliás, só nos lembramos delas quando é para exigir atendimento para si ou para alguém da própria família.

Apesar de vivermos no século 21, ainda fazemos muita confusão entre do que vem a ser “desacato” e uma “reclamação”.

Obviamente que muitos servidores da saúde, especialmente os dotados de “espírito de solidariedade” atendem com educação, respeito e humanidade, demonstrando que não é uma categoria de profissionais que tem problemas comportamentais. Infelizmente restam alguns seres humanos que não tem capacidade mental para compreender o principio básico da “ação x reação”, contribuindo para jogar na vala comum do desgaste público toda uma categoria.

Claro que também precisamos ser rigorosos com os Usuários que nos ofendem e nos desrespeitam como pessoas e profissionais. Mas estes precisam ser tratados nos termos da lei. Neste caso o Gestor precisa assumir a defesa da rede fazendo valer os mecanismos policiais e de controle social, transferindo a solução do problema, por exemplo para o Conselho Municipal de Saúde.

Muitas vezes quando o usuário reclama de desatenção, indelicadeza ou por qualquer outro motivo, ele acaba prontamente sendo advertido por alguém, sobre a lei de desacato , ora, reclamar não é desacato, é um direito.

No contraponto da Lei do Desacato, poderíamos chamar atenção para o art. 138 do Código Penal que trata da “calúnia” contra alguém, imputando-lhe falsamente algum fato ou crime, assim como  Art. 139 que trata da “difamação” quando alguém imputa a um terceiro algum fato ofensivo à sua reputação. E se os Usuários começarem também a usar desses dispositivos legais para verem seus direitos atendidos? Como fica nesse caso a Lei de defesa dos direitos do consumidor?

Na maior parte das vezes, quando os usuários são acusados de desacato, estavam apenas reclamando de algum eventual descaso e desatenção. Isto poderia ser enquadrado como calúnia e difamação!

Enfim, a constatação é real! O Sistema Único de Saúde, ainda permanece organizado para facilitar a vida de si mesmo. A grande maioria dos problemas relacionados ao SUS, estão relacionados a uma questão de atitudes e relacionamentos e uma outra boa quantidade de situações relacionadas a falta de profissionalização da gestão.

O mais importante é que precisamos definitivamente caminhar na direção de fazer desaparecer do cenário o modelo excludente do INAMPS e fazer valer, pelo menos na questão dos relacionamentos o modelo universal e humanitário do SUS. Vamos tirar os cartazes inconvenientes das paredes das Unidades e no lugar deles fazer educação em saúde, com informações que orientem os usuários no uso correto do SUS!

Norival R Silva

Dezembro 2016

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