Para saber se uma Unidade Prestadora de Serviços do
SUS, especialmente as Unidades Básicas, tem noção efetiva do principio da
“humanização”, basta examinar as paredes internas (em alguns casos também as
externas) e verificar se nelas estão os famigerados cartazes que advertem os
usuários sobre o “desacato”, cujo texto contempla: “Art. 331 – Desacatar
funcionário público no exercício da função ou em razão dela, pena de detenção
de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa”.
Se nas paredes forem encontrados os tais cartazes,
certamente o modelo de acolhimento que predomina é ainda do antigo INAMPS, nada
próximo do que preconiza o modelo SUS focado na humanização do atendimento.
Os cartazes representam emblematicamente o “foco”
de organização do sistema: facilitar a vida de quem atende, ao invés de
facilitar a vida de quem vai ser atendido: o usuário!
Ou seja, ao se colocar tais cartazes alguém partiu
do suposto de que 99% dos usuários não tem o perfil de quem adota condutas
agressivas de desacato verbal ou física. No entanto, todas as pessoas de “bem”
que acessam as dependências de uma Unidade de Saúde e se defrontam com tais
avisos, se “sentem” diminuídas, decepcionadas, e terminam por manifestar suas
ansiedades no momento que não são respeitadas como cidadão com direitos e
deveres.
O fato é que esta “visão” deturpada do que vem a
ser “humanização” ainda predomina em muitos dos Municípios desse país.
Evoluímos em tecnologia de diagnóstico e terapias. Saímos da invenção do Raio X
em 1923 para o Tomógrafo Computadorizado nos dias de hoje, mas na área do
atendimento continuamos, quem sabe por não querer sair da “zona de conforto”, mantendo
o foco em quem vai atender, ao invés de manter o foco em quem vai ser atendido.
Muitos de nós, profissionais de saúde, nos esquecemos de atitudes humanistas
básicas, aliás, só nos lembramos delas quando é para exigir atendimento para si
ou para alguém da própria família.
Apesar de vivermos no século 21, ainda fazemos muita
confusão entre do que vem a ser “desacato” e uma “reclamação”.
Obviamente que muitos servidores da saúde,
especialmente os dotados de “espírito de solidariedade” atendem com educação,
respeito e humanidade, demonstrando que não é uma categoria de profissionais
que tem problemas comportamentais. Infelizmente restam alguns seres humanos que
não tem capacidade mental para compreender o principio básico da “ação x
reação”, contribuindo para jogar na vala comum do desgaste público toda uma
categoria.
Claro que também precisamos ser rigorosos com os
Usuários que nos ofendem e nos desrespeitam como pessoas e profissionais. Mas
estes precisam ser tratados nos termos da lei. Neste caso o Gestor precisa
assumir a defesa da rede fazendo valer os mecanismos policiais e de controle
social, transferindo a solução do problema, por exemplo para o Conselho
Municipal de Saúde.
Muitas vezes quando o usuário reclama de
desatenção, indelicadeza ou por qualquer outro motivo, ele acaba prontamente
sendo advertido por alguém, sobre a lei de desacato , ora, reclamar não é desacato, é um direito.
No contraponto da Lei do Desacato, poderíamos
chamar atenção para o art. 138 do Código Penal que trata da “calúnia” contra
alguém, imputando-lhe falsamente algum fato ou crime, assim como Art. 139 que trata da “difamação” quando
alguém imputa a um terceiro algum fato ofensivo à sua reputação. E se os
Usuários começarem também a usar desses dispositivos legais para verem seus
direitos atendidos? Como fica nesse caso a Lei de defesa dos direitos do
consumidor?
Na maior parte das vezes, quando os usuários são
acusados de desacato, estavam apenas reclamando de algum eventual descaso e
desatenção. Isto poderia ser enquadrado como calúnia e difamação!
Enfim, a constatação é real! O Sistema Único de
Saúde, ainda permanece organizado para facilitar a vida de si mesmo. A grande
maioria dos problemas relacionados ao SUS, estão relacionados a uma questão de
atitudes e relacionamentos e uma outra boa quantidade de situações relacionadas
a falta de profissionalização da gestão.
O mais importante é que precisamos definitivamente
caminhar na direção de fazer desaparecer do cenário o modelo excludente do
INAMPS e fazer valer, pelo menos na questão dos relacionamentos o modelo
universal e humanitário do SUS. Vamos tirar os cartazes inconvenientes das
paredes das Unidades e no lugar deles fazer educação em saúde, com informações
que orientem os usuários no uso correto do SUS!
Norival R
Silva
Dezembro
2016
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