terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

SAÚDE: DIREITOS CONSTITUCIONAIS X DITADURA REGULATÓRIA - Norival Silva


Nos últimos dias, para minha surpresa descobri que já não estamos mais sozinhos quando defendemos a esquizofrenia regulatória da Agência Nacional de Saúde – ANS. Para minha surpresa, o noticiário da Rede Globo (Jornal Nacional), se engajou no debate relacionado ao engessamento do Sistema Privado de Saúde, promovido pela ANS.

Maior surpresa ainda foi ouvir no meio da matéria, os comentários de um dos representantes das entidades classistas do setor privado, admitindo como “normal” as dificuldades vividas pelos usuários e microempresários envolvidos na matéria. “Admitir o alinhamento do setor privado às políticas e diretrizes do SUS e da própria ANS, é uma incongruência jamais vista. É o mesmo que dizer: agua e vinho são coisas iguais!

Em 2016, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cobrou das Operadoras de Planos Coletivos o equivalente a 1,6 bilhões de reais por atendimento realizados aos trabalhadores, na rede pública. Este valor, denominado de RESSARCIMENTO, representa um crescimento de 133.7% em relação ao valor cobrado no ano anterior (709 milhões). Alguém acredita que tais valores não tenham nenhum impacto nos custos do benefício de forma direta para as empresas?

Faço esta introdução para acrescentar que os Planos Coletivos Empresariais, representam mais de 60% da cobertura por Planos de Saúde, representando quase 5% do PIB Nacional.  Se confirmadas as teses de que cada brasileiro custa para o SUS, algo em torno de R$ 1.415,00 (pesquisa da CFM) teríamos um custo mínimo global no orçamento público na ordem de R$ 43 bilhões de reais, desonerados em favor do público.

Esta liberdade, regulatória, auto/assumida pela ANS, produziu duas excrescências ainda não percebidas e resolvidas nem pelo governo, nem pelo congresso e o que mais me surpreende, nem pelos empregadores da indústria e comércio que paga a maior fatia da conta: O ressarcimento ao SUS e a ampliação do Rol de Serviços e procedimentos. Poucos lembram que das dez maiores economias do mundo, só no Brasil a despesa privada é maior que a pública. Esta informação, deveria dar aos Gestores empresariais a dimensão do valor e poder sobre o processo regulatório auto imposto pela ANS, sem nenhum enfrentamento, como dizem alguns para minha surpresa, “tudo está pacificado e dominado”.

Como já apontamos, 4,2% é o impacto nos custos relacionado ao Ressarcimento, mas é preciso ainda acrescentar as decisões unilaterais da Agência em aumentar o Rol de procedimentos, na cobertura que certamente resultará num incremento de custos na ordem de 6% a 11% dependendo das características de cada operadora e seu perfil de atendimento.

O fato é que há pelo menos 30 anos convivemos com uma Legislação confusa, contraditória e fragmentada que facilita as decisões baseadas no princípio da “equidade”, ao invés da Legalidade.

Ora, a saúde é um direito assegurado constitucionalmente ao todos os cidadãos brasileiros, não havendo como impedi-los de fazer a opção pela rede pública, seja ambulatorial, seja hospitalar, o que também não permite a própria ANS.

Aqui reside o primeiro contraditório conceitual: não há como uma operadora garantir que seu beneficiário utilize seu plano na forma como foi contratado, pois o prestador do serviço que poderia ajudar-lhe pode ser penalizado, caso pratique esta conduta (sic).

De igual forma, não há como obriga-lo a realizar o procedimento pelo Plano de Saúde, uma vez que ele possui o “DIREITO CONSTITUCIONAL”           de utilizar o SUS. Assim, deveria caber ao cidadão, de forma exclusiva, escolher qual atendimento quer ter, o privado pela livre adesão que a lei lhe concede e/ou um público pela obrigatoriedade de pagamentos de impostos.

Mais uma vez, a esquizofrenia regulatória da ANS se manifesta quando se constata que a Tabela de Preços utilizadas pela Agência para cobrança do ressarcimento é 5 (cinco) vezes maior do que a tabela utilizada pelo SUS para pagar a rede credenciada.

Uma das diferenças entre o Processo de Governança Pública e Governança Privada reside no fato de que a Governança  Publica, só pode fazer escolhas e caminhos no âmbito da Lei. Já no âmbito das relações entre pessoas privadas, se aplica o princípio das “autonomias de vontades” que lhes permite fazer tudo aquilo que a lei não proíbe”. O artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal repetindo preceito de constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei”. Ora, se a CF no artigo 199 afirma que a Saúde, é livre a iniciativa privada, não sendo portanto concedida, ficando o cidadão com o livre direito de aderir ou não, não pode neste caso o Poder Público  praticar a incoerência de primeiro “autorizar” a livre iniciativa e a posteriores dizer, impor ou criar obrigações, que para tanto dependa também de Lei.

Quando uma empresa resolve conceder o benefício de plano de Saúde a um funcionário, ou quando este resolve por vontade própria adquirir um Plano Individual, não pode este mesmo cidadão ficar privado dos serviços públicos de saúde. O DIREITO é dele e do seu empregador.

Parece que a missão da ANS é fazer valer o princípio da “ditadura regulatória” se apropriando de recursos privados como se fossem públicos. A impressão que tenho é que no fim a ANS, tem como propósito mesmo, estabelecer o SEU PRÓPRIO SISTEMA DE SAÚDE, colocando as operadoras privadas para atenderem a todos de forma universal, mesmo os não conveniados.

São estes os argumentos que fundamentam a necessidade premente de uma agenda de reformas que recrie um Sistema Nacional de Saúde, que reconheça a função pública e a função privada, como sendo uma agenda priorizada. Todo o resto, incluindo o Ressarcimento e a inclusão do Roll, são questões pontuais, que podem ser resolvidas, mas estarão de volta na pauta se questões estruturantes do Sistema de Saúde não sofrerem alterações, que há mais de 30 anos são reclamadas.



Norival R Silva

Consultor

Febraplan

Fevereiro de 2018

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