Participar
de uma fila de espera na porta de Postos de Saúde e de hospitais, fazem parte
da minha lembrança desde minha mais tenra infância. Quantas vezes saímos eu e
minha mãe, na madrugada, para chegar cedo ao Posto de Saúde – por volta de 4 ou
5 horas da manha (O Postinho só abria as
8 horas), se não chegasse cedo não conseguia mais “ficha” para o médico. E
assim lá íamos nós, cedinho para não ter que correr o risco de voltar no dia
seguinte.
Depois
de uma longa espera e 5 minutos depois do horário definido no cartaz que
apontava o expediente da UBS, finalmente
a porta do Posto de Saúde abria e a pessoa que abria dizia em tom de voz nada
agradável, para aquela hora da manhã:
- Os
hipertensos podem entrar e ficar na minha esquerda!
- As
grávidas que já estão cadastradas no programa, podem entrar e ficar na minha
direita!
-
Fichas para o Médico façam uma fila por chegada...
-
Atenção, só tem 20 “fichas” para o médico, quem não pegar pode voltar amanha!
Apesar
de saber que felizmente este tipo de situação já não acontece na grande maioria
da Rede SUS, ela ainda se faz presente em muitas das Unidades Básicas de Saúde
por esse Brasil a fora.
Para
muitos profissionais e Gestores, ter a fila na porta da UBS ainda é um ato
considerado “normal” e corriqueiro. O pior é descobrir que ninguém mais liga
para este assunto. Constatar que pessoas ainda trazem colchonetes para chegar
cedo na porta da UBS e literalmente dormir ali, faz parte do “modelo”, cantado em
verso e prosa seja por profissionais e como costumo dizer “proseado” por
Gestores que vivem na “zona de conforto” do seu gabinete e jamais presenciaram
e conviveram com este tipo de situação com os usuários.
A
bem da verdade, a cultura da “ficha” ou “senha” é uma herança que a rede de
prestadora de serviços do SUS, herdou do antigo INAMPS, em função das
“facilidades” que ela oferece para quem presta serviços. Adotar o critério de
acesso aos serviços básicos de saúde pelo principio da “ficha” ou “senha” é um
“jeitinho” de facilitar a vida de quem atende, ao invés de facilitar a vida de
quem vai ser atendido (o usuário).
É só
lembrar a pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, que aponta o horário
entre 08 e 11 horas da manhã como o período no qual acontece 80% de tudo o
que é realizado no âmbito da Rede de
Unidades Básicas de Saúde do SUS.
Há
pelo menos uns 2 ou 3 anos que venho lidando com a organização do acesso dos
usuários na Rede Primária de Atenção. Não foram poucas as vezes em que tive que
superar enormes e complicados conflitos com as coordenações de equipes de UBS,
quando propúnhamos a eliminação da ficha e senha. Hoje felizmente, já não é
apenas a “nossa” fala. A introdução do Programa de Melhoria de Acesso e
Qualidade da Atenção Básica, fez com que o Usuário seja a prioridade no
atendimento eliminado esta nefasta herança, que produz desgastes e joga na vala
comum toda a rede de serviços públicos de saúde.
Claro
que não se pode racionalizar de forma simplista um problema de tal envergadura
que é a organização de serviços de saúde e especialmente o atendimento médico.
Certamente que o “volte amanha que hoje não tem mais lugar” só vai ser extinto
quando o Gestor de fato der atenção no processo de qualificação dos
profissionais, fazendo sua parte de investimento e treinamento, capacitação e
organização de protocolos operacionais que garantam a qualidade do serviço
oferecido.
Para
não ficar só falando da ficha e da senha, há ainda outros procedimentos
arcaicos no modelo de atendimento do SUS; Por que não se marca hora para os
usuários do SUS na Consulta Médica? Por que todos os pacientes da agenda do
dia, são orientados para chegarem a “partir de 7 horas” na UBS? Como é possível
fazer uma pessoa portadora de uma
patologia crônica, já com sua idade avançada, acordar no escuro e pegar duas ou
três conduções para fazer uma consulta
médica que só vai acontecer seguramente depois das 10 horas da manha? Como é
que os Planos de Saúde Privados conseguem atender todos os seus associados com
hora marcada?
Não
é possível que não exista um meio mais “humanizado” para organizar este
cenário. Se não é possível (sic) organizar uma agenda de 15 em 15 minutos
(tempo que dura uma consulta), por que não organizar agenda de 1 em 1 hora, o
que faria o usuário ter que esperar apenas uma ou duas horas.
Finalmente,
resta mencionar uma outra herança do INAMPS, que ainda está presente em muitos
pontos de atendimento da Rede SUS: descumprir com o horário de abertura de
porta!
O
Usuário costuma chegar cedo na unidade. Na porta de entrada ele se depara com o
aviso: Inicio do Expediente: 07h00!
Evidentemente
que não tenho a intenção de racionalizar o tema aos conflitos relacionados.
Lógico que é necessário ir no conflito maior, que precisa ser reconhecido e
debatido no âmbito das três esferas de comando do SUS: a disponibilidade, o
papel e a “conduta” do profissional da medicina no âmbito do SUS.
Como
garantir que o profissional contratado para realizar 40 horas, efetivamente
trabalhe?
Essa
é a pergunta principal. Mas ela deve ser estendida também aos outros
profissionais que compõem a rede prestadora, especialmente a de Atenção
Primária.
Quanto
deve ser o salário de um Médico? Como garantir que Municípios de pequeno porte
tenha condições de recrutar e contratar profissionais da medicina?
Neste
período eleitoral, saúde sempre é discursada como prioridade, mas aí vem a
posse dos prefeitos e a realidade constatada faz mudar o discurso. Aquele da
campanha é substituído pelo discurso da “gestão” do orçamento. E neste caso,
quase sempre o SUS vira um fardo, ao invés de uma política local que agregue
valor político, que se manifesta na porta das Unidades Básicas de Saúde.
Norival
R Silva
Consultor
Sênior
Setembro de 2017
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