O ministro da saúde, ao completar 1 ano no cargo realizou
uma prestação de contas da sua atuação, durante a qual provocou o setor privado
a buscar soluções para a desoneração do Sistema Único de Saúde, segundo ele,
através de “planos mais acessíveis”.
Desde então, se propagou o debate, pautado
logicamente pelo ideário sanitário de 1986 e pelos interesses neoliberais, que
perceberam uma nova oportunidade de melhorar sua participação no 8º maior
mercado de saúde do Mundo.
Fato novo? Não! Noticia vinculada na Folha de São
Paulo em 27 de fevereiro de 2013, tornava público que os Planos de Saúde e
seguradoras foram provocados pela Presidente de então, para oferecerem planos
de saúde mais baratos e com melhor atendimento, visando a desoneração do SUS. O
discurso da época avançou até mesmo num Plano de Saúde para Pobres (sic). Desde
a manifestação do atual Ministro, feita no ano passado, até os dias de hoje,
grupos organizados formalmente por Portaria, eventos organizados pela ANS,
conferencias, tudo para chegar na mesma conclusão sugerida: Planos mais
acessíveis, Ambulatoriais, Atenção Primária, enfim, conversa repetida, que terá
o mesmo fim.
O porquê do descrédito na idéia? Bom, basta ver o
desempenho do setor de 2013 até os dias de hoje. Nesse período, mais de 2,8
milhões de beneficiários perderam seus planos de saúde (especialmente nos
últimos 3 anos). Isto quer dizer um decréscimo de 5,6% no mercado, para não
falar nos efeitos do acréscimo da demanda do SUS.
Uma rápida olhada nos números do PROCON e ANS,
indica que o maior conjunto de reclamações, está justamente nos Planos de menor
cobertura, ou menor custo.
Para não me estender em demasia, uma avaliação de
eficiência dos Sistemas de Saúde, seja ele público ou privado, exige por
primeiro uma clara visão das três dimensões envolvidas:
a) Dimensão epidemiológica, que considera o “estado”
de saúde da população;
b) As Políticas de Saúde, escolhidas pelo Governo como
Diretrizes Gerais e;
c) Sistemas de Saúde, organizados nos termos das
diretrizes escolhidas para oferecer os serviços de atenção à saúde do cidadão.
O que está pautado no debate atual, está
relacionado as “políticas” escolhidas como diretrizes gerais e com os Sistemas
de Saúde, organizados para oferecer os serviços de atenção à saúde do cidadão.
Embora a dimensão epidemiológica tenha igual importância como determinante,
ficando para um próximo artigo.
Todas as pessoas e entidades envolvidas neste
debate, precisam conhecer com clareza um pouco da história do Mercado de Saúde
no Brasil e especialmente qual é o desempenho de atenção à saúde que de fato
temos como disponíveis para os Brasileiros.
O SUS, como Sistema Público, não surgiu por
iniciativa dos Governos. Na época, em 1986 foi o movimento sanitário, que se
mobilizou na Conferência Nacional de Saúde, e fez valer na Constituinte de 88
as “diretrizes” ideológicas e filosóficas que deveriam nortear o Sistema de
Saúde no Brasil, se contrapondo ao modelo existente, que favorecia apenas os
que tinham carteira de trabalho assinada.
Digamos que o primeiro enfrentamento entre Sistema
Público e Privado, este último já atuando muito fortemente, especialmente em
São Paulo, foi em 1990, com a sanção da Lei 8080/90, que regulamentou a
Constituição Federal nos artigos 196 a 199. Quem acompanhou esta discussão
lembra como foi difícil, manter um mínimo das diretrizes propostas no movimento
sanitário, sancionadas com muitos vetos, pelo então Presidente Collor (frase
atribuída ao Sanitarista Gilson Carvalho – in memoriam).
Finalmente, estamos em 2017, diante do mesmo
debate: pode o Sistema Privado desonerar o Sistema Único de Saúde? Apenas esta
pergunta certamente movimentará o debate dos “contrários”, admitindo-se que
estamos concedendo a área da saúde para o setor privado. O que me parece foi
que os sanitaristas e outros seguidores da mídia, esqueceram do que escreveram:
que o “direito” a saúde não significa o “direito” à assistência à saúde. Que o
direito a saúde não depende da rede de serviços de saúde, mas também da
articulação de políticas sociais ligadas às condições de trabalho, educação,
lazer, alimentação, moradia e meio ambiente adequado. Na prática, temos a
provocação do Ministro e um conjunto de leis em tramitação na Câmara dos
Deputados, na sua maioria relacionada a ampliação de cobertura pública e
privada e outros que liberam a venda de pacotes de assistência médica mais baratos
e mais acessíveis à população.
Apenas para pautar o debate com números, é bom
lembrar que enquanto o Sistema Único de Saúde, cobre 160 milhões de usuários, o
sistema suplementar alcança mais de 46 milhões de beneficiários, com gastos em
torno de 8,5% do PIB nacional (privado 55% e público 45%).
Então, vamos direto ao final: O que seria do SUS se
não tivéssemos uma atuação do Sistema Privado? A verdade que não quer calar é
que estamos discutindo as mesmas coisas fazem mais de 29 anos! As soluções que
queremos não podem vir apenas para o sistema suplementar, precisamos também alcançar reformas no Sistema Único de Saúde, caso
contrário, tudo continuará como antes.
No SUS, falamos de sub-financiamento; falamos da
falta de recursos humanos; falamos da judicialização que só existe, porque não
há regras de lei claramente definidas; falamos de universalidade de acesso e
confundimos com universalidade de cura, falamos de integralidade de assistência
sem definir com o 100% que realmente
está disponível; na Lei; falamos do estrangulamento da média complexidade sem
sequer admitir parcerias privadas para resolve-las; falamos de governança e os
secretários municipais e estaduais ainda dependem do Secretário de Fazenda para
ter disponíveis os recursos dos Fundos de Saúde do Estado e dos Municípios,
apesar da Lei 141/2012; falamos da Tabela SUS como se ela ainda existisse,
falamos dos insumos químicos e terapêuticos e dos OPMES, sem adotar de vez a
Lei que já existe 12.401/2011.
No Sistema Suplementar de Saúde, falamos de
engessamento do mercado pela ANS que ao invés de se posicionar como reguladora
da Função Pública no mercado privado, quer transformar o mercado privado em
público (sic)...; Falamos de planos acessíveis e não lembramos que o mercado
está em decréscimo; Falamos de dar confiança ao investidor e limitamos a
lucratividade do setor a menos de 2% numa clara atitude estatal que se
contrapõem ao mercado privado; Falamos de organização do sistema suplementar e
esquecemos de incluir na legislação a função de gestão, atribuída
exclusivamente as Operadoras de Planos e Seguros de Saúde, que não existe na
lei...(sic); Falamos da inflação médica e de outros serviços da saúde que tem
impacto direto nos custos e esquecemos que isto só se resolve pelo mecanismo da
lei; Assim como no SUS falamos também da judicialização e esquecemos de
garantir na legislação os acordos de regras e contratos pactuados com o
Usuário, para pautar as demandas judiciais.
Antes da Lei 9656/98,
APÓS A LEI 9656
Atuação
Controlada
Autorização de
funcionamento
Regras de operação
Cobertura
integral
Proibição da seleção
de risco
Definição/ limitação
de carências
Controle de
reajustes
Proibição de
rescisão contratual
|
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tínhamos um mercado de livre atuação, com
definição de coberturas, seleção de risco, definição de carências, exclusão de
usuários, definição de reajustes.
Após a Lei, passamos a ter um mercado de atuação controlada, com autorização
de funcionamento, regras de operação, cobertura integral, proibição da seleção
de risco, definição/limitação de carências; controle de reajustes; proibição de
rescisão contratual. É lógico que Saúde é “função” publica com regulação
pública. Agora, não é possível, por exemplo o órgão regulador, só nas cobranças
de multas, exceder seu próprio orçamento, e querer por decisão unilateral
comandar investimentos privados, como se fossem públicos...
Enfim, estamos a 29 anos falando a mesma coisa! Não
tem saída, a desoneração do SUS, se é que queremos, passa por um pacto
federativo de gestores e classe política que admita uma AGENDA de Reformas na Legislação que regula o
mercado de Saúde. A hora é agora. Especificamente, estamos falando das Leis,
8080/90 e 9656/98, além de outras normativas e da própria ANS que precisa ser
revista na sua função. Apesar das alterações feitas em ambas nos últimos anos,
a maioria, especialmente no privado esteve relacionado a ampliação de
cobertura, sem levar em conta os custos. Assim como no SUS, as alterações
resultaram em inclusão de novos procedimentos, como se o público não tivesse
orçamento e financeiro respectivo. O SUS para Todos poderia ser viável a 29 anos
atrás, hoje, obrigatoriamente o Ministério da Saúde, CONAS, CONASEMS,
FEBRAPLAN, e outros órgãos de representação do setor de saúde suplementar terão
que fazer escolhas e definir quais são nossas prioridades: a Tuberculose ou
Cirurgias Estéticas? O SUS para todos não tem como ser financiado pela
sociedade (palavras do Ministro).
Concordo com a opinião de alguns jornalistas: dadas
as previsões de congelamento como anunciado, dos recursos do SUS EM 2018, se
não avançarmos numa AGENDA REFORMISTA, também no setor Saúde, vamos atravessar
uma crise sanitária sem precedentes no Brasil, atingindo especialmente o setor
público. Só espero que daqui a dois ou três anos, não tenhamos um outro gestor,
falando das mesmas coisas...
Norival R Silva
Consultor Sênior
Febraplan
– Federação Brasileira de Planos de Saúde
Palestrante
e Consultor na área da Saúde e Desenvolvimento Humano, com especialização na
área da Promoção da Saúde e Qualidade de Vida; Experiência vivida como Gestor
de Sistemas Municipais de Saúde de Municípios de pequeno e grande porte;
Idealizador do Programa Bata na Porta Certa – Ensinando a Usar o SUS
Corretamente; atual consultor sênior da Gestão Saúde para assuntos relacionados
à Regulação, Marketing e Atendimento no âmbito do Sistema Único de Saúde, Mais
de 1500 participantes treinados em eventos de Gestão, Regulação e Atendimento,
atual Consultor Técnico da Febraplan – Federação Brasileira de Planos de Saúde.
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APÓS A LEI 9656
Atuação
Controlada
Autorização de
funcionamento
Regras de operação
Cobertura
integral
Proibição da seleção
de risco
Definição/ limitação
de carências
Controle de
reajustes
Proibição de
rescisão contratual
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